O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro alterou a regra que permitia a condenação de suspeitos com base apenas em depoimentos de policiais. O novo entendimento da corte exige a apresentação de outras provas, além dos relatos dos agentes para determinar condenação.
Por 13 votos a 1, os membros do tribunal decidiram pela mudança em uma das súmulas da Corte, que são conjuntos de regras ou entendimentos consolidados do tribunal, para que juízes sigam uma determinada orientação.
A regra sobre a permissão para condenação com base apenas em depoimentos de policiais faz parte da Súmula 70. A alteração aprovada atendeu parcialmente a um pedido da Defensoria Pública do Estado, feito em 2018.
Inicialmente, a defensoria pedia o cancelamento da súmula. O texto original dizia que “o fato da prova oral se restringir a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Ou seja, segundo a antiga redação, a condenação poderia acontecer apenas com depoimentos de policiais.
O texto aprovado diz: “O fato de a prova oral se restringir a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autoriza a condenação quando coerente com as provas dos autos e devidamente fundamentado na sentença”.
A coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria do Rio, Lúcia Helena de Oliveira, acredita que a mudança no texto é um marco para a Justiça fluminense.
“Nós tínhamos uma redação anterior com 21 anos, então há sim um avanço, a partir do momento que o novo texto acaba exigindo um fortalecimento do conjunto probatório”, comentou Lúcia Helena. “A gente passa a ter que ter um conjunto de provas mais fortes, não bastando só depoimentos. Com os avanços tecnológicos, nós temos as câmeras corporais, a gente passa a ter que considerar isso no nosso novo cenário jurídico”, concluiu.
Já para o professor de Direito Penal da Uerj, Rony Nunes, a mudança não terá impacto nos julgamentos.
“A nova redação, que fala sobre como essa prova tem que ser cotejada e analisada junto com outros elementos, é o básico, aquilo que deveria já acontecer. A redação anterior acabou reproduzindo um efeito de hipervalorização, de que essa prova produzida pelo depoimento do policial pudesse se superpor a por exemplo o depoimento de outras pessoas”, disse Nunes.
Segundo a Defensoria Pública, um levantamento feito com base nos processos sobre tráfico de drogas – em que houve aplicação dessa Súmula – mostrou que quase 89% dos condenados eram do sexo masculino e negros.
Ainda de acordo com a defensoria, os números ilustram como a aplicação da Súmula contribuía para reproduzir desigualdades raciais.
“A gente tinha pedido o cancelamento, mas havia pedido revisão do texto da súmula. Fomos parcialmente contemplados, teve uma revisão do texto. A gente esperava que houvesse o cancelamento, mas acho que agora a gente tem que trabalhar e seguir monitorando as decisões”, completou Lúcia Helena.
A Polícia Civil informou que não comenta decisões judiciais. A equipe de reportagem também entrou em contato com a Polícia Militar, mas não teve retorno.
Com informações do g1